setembro 09, 2010

Um Miró de Sentença

"Trata-se de auto de prisão em flagrante de S... e H..., que foram detidos em virtude do suposto furto de duas melancias.
Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação económica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização europeia....
Poderia dizer que os americanos jogam biliões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto biliões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás.
Intimem-se.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito

2 comentários:

Tuca Zamagna disse...

Muito bom, Vap!

Eu não conhecia este texto. Você sabeem que cidade atua este juiz?

Gostei do seu blog. Textos curtos, diretos, sem excessos. Quando eu crescer, espero aprender a controlar a minha verborragia e ser como você!

Im abraço

VAP disse...

Olá, Tuca.
Obrigada pelo seu simpático comentário.
Aqui vai a identificação do Sr Juiz, conforme e-mail que recebi:JUIZ DE DIREITO RAFAEL GONÇALVES DE PAULA DA COMARCA DE PALMAS, TOCANTINS
NOS AUTOS DO PROC Nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO: